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Um Véu na Imagem: A Poética da Opacidade na Fotografia Contemporânea



A opacidade é uma dessas palavras que carregam um segredo velado, quase como se ela mesma fosse uma metáfora do que tenta descrever. Num primeiro olhar, talvez superficial, poderia ser reduzida a um simples controle técnico, algo que você, como fotógrafo, manipula na edição de uma imagem, decidindo o quanto da realidade deve ser exposta ou encoberta. Uma camada translúcida aqui, uma sobreposição ali, e a mágica acontece. Mas será que é só isso?



Ao ajustarmos o grau de transparência em uma fotografia, algo mais está em jogo. É um exercício de controle, uma interação com o que é percebido, um jogo sutil entre o que é desvelado e o que continua encoberto. Numa fotografia de uma paisagem envolta em névoa, por exemplo, a bruma não só omite parte da cena, mas sugere algo além do que os olhos conseguem captar de imediato. Há uma profundidade, uma promessa de revelação que nunca é totalmente cumprida. E é justamente nesse espaço que a opacidade começa a evidenciar sua verdadeira natureza.



Essa relação entre o que se vê e o que se intui remete a questões filosóficas que transcendem a técnica fotográfica. Proust, em Em Busca do Tempo Perdido, fala sobre a memória como algo que nunca se manifesta de forma clara e completa; ela é fragmentada, opaca, construída a partir de pedaços de realidade que nossa mente reorganiza de acordo com nossas emoções e desejos. Da mesma forma, uma fotografia "opaca" não nos entrega tudo de bandeja. Ela provoca, convida à reflexão, à imaginação. Ela não é um reflexo perfeito da realidade, mas uma interpretação, uma camada a mais que o fotógrafo coloca entre a verdade e o observador.



E se considerarmos essa densidade visual não como uma barreira, mas como uma textura que enriquece a imagem? Nesse sentido, a opacidade se transforma em algo quase palpável, uma característica que dá corpo à imagem, tornando-a densa e complexa. Um retrato onde as sombras obscurecem parte do rosto do sujeito, por exemplo, não só preserva a identidade como cria uma aura de mistério. Não sabemos tudo, e essa falta de conhecimento nos atrai, nos faz querer saber mais, mergulhar mais fundo na imagem. É como se esse retrato estivesse nos dizendo que, às vezes, o que não vemos é tão importante quanto o que nos é revelado.



Mas a opacidade também pode ser vista sob outra luz, especialmente quando consideramos a fotografia expandida. Nesse contexto, ela deixa de ser apenas uma característica visual para se tornar um conceito, uma estratégia artística que questiona a própria natureza da representação. A fotografia, que tradicionalmente se baseia na ideia de capturar a realidade de forma precisa, encontra na opacidade um desafio: até que ponto o que vemos é a verdade? E mais, o que acontece quando o que é apresentado deliberadamente esconde, confunde, ou desafia nossa percepção?



Ao final desse percurso, percebemos que esse véu é mais do que um simples efeito ou técnica. Ele é uma ferramenta de reflexão, um meio para questionar o que é claro e o que é ambíguo. Em última análise, a opacidade nos chama para olhar além da superfície, a buscar o que está por trás da imagem, a explorar a complexidade da visão e, talvez, a redescobrir a essência da fotografia como uma forma de arte que vai além e entra no reino das coisas que somente podem ser percebidas, intuídas ou mesmo imaginadas.


Escrito por Angela Rosana,  saiba mais sobre mim aqui.  

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Todas as imagens foram cedidas.

Os créditos aos fotógrafos constam nas imagens, com links para os respectivos perfis no Instagram. Conheça mais o trabalho de cada um!


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Publicação das fotos no Instagram em agosto de 2024

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