Cópia X Emanação: Os Rastros da Imagem em Nós
- Angela Rosana
- há 6 dias
- 4 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Nem toda imagem nasce igual. Algumas chegam como duplicações, réplicas calculadas de algo já visto, já sabido. Outras, no entanto, parecem vir de dentro. Não copiam: emanam. A diferença entre uma e outra não está apenas na técnica, no meio ou na origem. Está, sobretudo, na relação que se estabelece com quem a observa. A cópia repete; a emanação propaga. A primeira serve ao reconhecimento; a segunda, à presença. Pode ser que nem sempre saibamos nomear isso, mas sentimos. Algo na imagem nos alcança sem fazer esforço, como se tivesse um calor residual, uma espécie de memória que não se apagou por completo.
Algumas imagens parecem atravessar o tempo. Reaparecem em outros contextos como se ainda trouxessem vestígios do instante em que nasceram. Georges Didi-Huberman chama isso de Nachleben, a vida posterior das imagens, quando formas e afetos sobrevivem e ressurgem sob novas condições. A inteligência artificial também convoca imagens do passado, mas por meio de combinações calculadas, a partir de um arquivo vasto e impessoal. Não sabemos se o efeito é o mesmo. Pode ser que essa diferença resida na maneira como cada uma chega a nós, ou no que conseguimos reconhecer nelas.
Por que algumas imagens nos detêm enquanto outras passam como se nunca tivessem estado ali? Pode ser o peso do instante que carregam, ou algo que não sabemos nomear e que, mesmo assim, nos prende. Roland Barthes chamou de punctum esse detalhe que nos atinge de maneira íntima, quase acidental, e que não se repete para todos. Não é pelo que mostram de forma evidente, mas por um modo particular de existir diante de nós. É difícil dizer de onde vem essa sensação. Pode estar na pausa de um movimento, numa cor que insiste, ou na luz que parece ter encontrado o lugar exato. Não depende de grandiosidade nem de clareza. Às vezes, basta que a imagem pareça ter respirado antes de chegar aos nossos olhos.
A cópia carrega em si a promessa de repetir o que já foi. Pode ser fiel, exata, até sedutora, mas nasce sem a urgência do instante. É reiteração. A emanação, ao contrário, irrompe. Não se preocupa em repetir, porque não pode ser refeita. É encontro único entre olhar, matéria e tempo. No excesso de imagens que nos cerca, a cópia se multiplica a ponto de dissolver a própria noção de original. A inteligência artificial pode levar isso ao limite, produzindo réplicas de coisas que nunca existiram, imagens sem origem concreta.
Já a emanação exige algo que não se programa: um corpo presente, um fragmento de mundo que se oferece e, por algum motivo, não volta mais. O mais intrigante é que, diante de uma imagem, nem sempre conseguimos identificar se estamos diante de uma cópia ou de uma emanação. Podemos ser enganados pela perfeição ou tocados por algo que, racionalmente, não reconhecemos. É nessa zona turva que a nossa própria percepção se torna parte da obra: aquilo que sentimos não é só da imagem, mas também de nós. E, nesse sentido, a distinção entre cópia e emanação não é apenas sobre como a imagem foi feita, mas sobre como ela acontece em quem a vê.
Se aceitarmos que a emanação não é uma propriedade fixa da imagem, mas um efeito que se cumpre no encontro com o olhar, é possível que até uma criação feita por inteligência artificial alcance esse lugar. Não porque tenha vivido o instante que representa, mas porque, de alguma forma, consegue instaurar no espectador a sensação de presença. Nesse caso, a emanação deixaria de ser um atributo exclusivo do gesto humano e passaria a ser um fenômeno relacional, imprevisível, que pode emergir até mesmo de uma origem sem corpo. Essa hipótese não resolve o conflito entre cópia e emanação, ao contrário, amplia-o, pois nos obriga a admitir que o que sentimos diante de uma imagem pode independer de sua procedência.
É nas possibilidades de fragmentação, quando o todo se insinua sem se entregar, que a emanação se revela com mais intensidade. Um vestígio, uma promessa suspensa entre o que se mostra e o que permanece oculto. No fim, a questão não é se a imagem é cópia ou emanação, mas o que acontece conosco depois que ela nos atravessa. Pode desaparecer no fluxo de milhares de outras ou permanecer como presença discreta, à espreita, pronta para reaparecer quando menos esperamos. Entre a repetição e a presença, entre a origem e o efeito, o que buscamos é sempre o mesmo: uma imagem que nos devolva algo que não sabíamos ter perdido.
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