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Cópia X Emanação: Os Rastros da Imagem em Nós

Atualizado: há 5 dias


A fotografia em preto e branco apresenta uma composição surreal e intrigante. Em primeiro plano, uma mulher loira, de vestido escuro com detalhes claros, observa uma parede ou tela que projeta uma cena à beira-mar. Na projeção, um grande navio ocupa o lado esquerdo da imagem, enquanto um cão caminha próximo à linha d’água. O elemento mais enigmático é a sombra da mulher: em vez de reproduzir fielmente sua postura real, ela surge como a silhueta de uma figura feminina de cabelos longos, estática, voltada para frente, criando uma ruptura entre realidade e representação. O reflexo do cão no chão reforça a sensação de camadas sobrepostas, onde o real e o imaginado se confundem. A obra evoca atmosferas de sonho, questionando a percepção, a identidade e os limites entre presença física e imagem projetada, tornando-a ideal para discussões sobre fotografia artística contemporânea, narrativa visual e simbolismo na arte.
Foto por Ayhan Ton 🇦🇺

Nem toda imagem nasce igual. Algumas chegam como duplicações, réplicas calculadas de algo já visto, já sabido. Outras, no entanto, parecem vir de dentro. Não copiam: emanam. A diferença entre uma e outra não está apenas na técnica, no meio ou na origem. Está, sobretudo, na relação que se estabelece com quem a observa. A cópia repete; a emanação propaga. A primeira serve ao reconhecimento; a segunda, à presença. Pode ser que nem sempre saibamos nomear isso, mas sentimos. Algo na imagem nos alcança sem fazer esforço, como se tivesse um calor residual, uma espécie de memória que não se apagou por completo.


A imagem em preto e branco apresenta uma poderosa sobreposição de elementos visuais, criando um diálogo simbólico entre cultura, espiritualidade e memória histórica. No primeiro plano, o rosto de uma mulher indígena ocupa o centro da composição, com pinturas faciais tradicionais que reforçam sua identidade cultural. Ao fundo e parcialmente sobreposta, surge a fachada de uma igreja colonial, ladeada por um céu dramático, sugerindo a presença histórica da religião cristã no território indígena. Um grande crucifixo atravessa a cena, projetando sua sombra sobre o rosto da mulher, criando um ponto de tensão visual que pode ser interpretado como imposição, conflito ou diálogo entre universos espirituais distintos. Elementos adicionais, como penas e formas orgânicas, completam a composição, evocando a ligação com a natureza e os rituais ancestrais. O resultado é uma fotografia carregada de simbolismo, ideal para discussões sobre fotografia documental e artística, sincretismo religioso, resistência cultural e a representação da história indígena na arte contemporânea.
Foto por Peterson Azevedo 🇧🇷

Algumas imagens parecem atravessar o tempo. Reaparecem em outros contextos como se ainda trouxessem vestígios do instante em que nasceram. Georges Didi-Huberman chama isso de Nachleben, a vida posterior das imagens, quando formas e afetos sobrevivem e ressurgem sob novas condições. A inteligência artificial também convoca imagens do passado, mas por meio de combinações calculadas, a partir de um arquivo vasto e impessoal. Não sabemos se o efeito é o mesmo. Pode ser que essa diferença resida na maneira como cada uma chega a nós, ou no que conseguimos reconhecer nelas.


A imagem em preto e branco retrata um cenário dramático, onde um menino corre em direção ao primeiro plano com expressão de susto ou urgência. Ele veste camisa clara de mangas compridas e bermuda escura, com o corpo levemente inclinado para frente, sugerindo velocidade. Ao fundo, um caminho de terra com poças d’água leva a uma fileira de moinhos de vento tradicionais, cujas pás se destacam contra um céu carregado de nuvens densas e sombrias. A atmosfera tensa, reforçada pelo contraste entre a luz suave no rosto do menino e a escuridão tempestuosa do horizonte, cria uma narrativa aberta que pode evocar fuga, perigo iminente ou a pressa de escapar de algo invisível. Essa composição une elementos de fotografia documental e arte conceitual, sendo rica para explorações visuais sobre infância, medo, movimento e o impacto emocional de paisagens dramáticas.
Foto por Mitch Miller 🇺🇸

Por que algumas imagens nos detêm enquanto outras passam como se nunca tivessem estado ali? Pode ser o peso do instante que carregam, ou algo que não sabemos nomear e que, mesmo assim, nos prende. Roland Barthes chamou de punctum esse detalhe que nos atinge de maneira íntima, quase acidental, e que não se repete para todos. Não é pelo que mostram de forma evidente, mas por um modo particular de existir diante de nós. É difícil dizer de onde vem essa sensação. Pode estar na pausa de um movimento, numa cor que insiste, ou na luz que parece ter encontrado o lugar exato. Não depende de grandiosidade nem de clareza. Às vezes, basta que a imagem pareça ter respirado antes de chegar aos nossos olhos.


A fotografia em tons suaves e iluminação natural apresenta uma figura feminina sentada no chão, com as pernas cruzadas e o tronco levemente inclinado para frente. Seu corpo está parcialmente oculto por uma cortina translúcida, que filtra a luz e cria uma atmosfera de delicadeza e intimidade. O rosto, visível por trás do tecido, surge de forma difusa, com traços suavizados pela transparência e pela luz difusa que entra pela janela. As sombras e as dobras do tecido acrescentam camadas visuais, sugerindo tanto presença quanto ocultamento, revelando e velando simultaneamente. A composição transmite sensações de recolhimento, vulnerabilidade e contemplação, sendo rica para leituras que dialoguem com temas de autorretrato, corpo, identidade e a poética do invisível na fotografia contemporânea.
Foto por Antonio Morales 🇪🇸

A cópia carrega em si a promessa de repetir o que já foi. Pode ser fiel, exata, até sedutora, mas nasce sem a urgência do instante. É reiteração. A emanação, ao contrário, irrompe. Não se preocupa em repetir, porque não pode ser refeita. É encontro único entre olhar, matéria e tempo. No excesso de imagens que nos cerca, a cópia se multiplica a ponto de dissolver a própria noção de original. A inteligência artificial pode levar isso ao limite, produzindo réplicas de coisas que nunca existiram, imagens sem origem concreta.


Imagem gerada por inteligência artificial retrata uma composição surreal e esteticamente impactante: sobre um tapete persa vermelho ricamente ornamentado, uma jovem deitada ao lado de um cavalo branco, ambos alinhados de forma quase simétrica. Ela usa top esportivo e shorts brancos, com meias e tênis, transmitindo um contraste entre o cenário luxuoso e a estética casual. Seus olhos estão fechados, sugerindo descanso, enquanto o cavalo repousa próximo, criando um vínculo visual e afetivo. Ao lado, uma raquete de tênis adiciona um elemento narrativo inesperado. Obra conceitual que combina esporte, quietude, luxo e natureza em uma única cena.
Imagem IA Turker Alagozyaylasi 🇹🇷

Já a emanação exige algo que não se programa: um corpo presente, um fragmento de mundo que se oferece e, por algum motivo, não volta mais. O mais intrigante é que, diante de uma imagem, nem sempre conseguimos identificar se estamos diante de uma cópia ou de uma emanação. Podemos ser enganados pela perfeição ou tocados por algo que, racionalmente, não reconhecemos. É nessa zona turva que a nossa própria percepção se torna parte da obra: aquilo que sentimos não é só da imagem, mas também de nós. E, nesse sentido, a distinção entre cópia e emanação não é apenas sobre como a imagem foi feita, mas sobre como ela acontece em quem a vê.


Imagem gerada por inteligência artificial em preto e branco, retratando uma cena surreal: uma jovem de cabelos claros e soltos flutua no céu sentada sobre uma nuvem, como se fosse um assento etéreo. Ela veste um casaco escuro e mantém os olhos semicerrados, transmitindo serenidade e introspecção. O horizonte distante mostra um mar calmo e pequenas construções isoladas, enquanto o céu é preenchido por outras nuvens dispersas. A composição combina elementos oníricos e minimalistas, explorando o contraste entre o peso da figura humana e a leveza da nuvem, criando uma atmosfera poética e atemporal.
Imagem IA Polly in Wonderland (Polina Konstanda) 🇺🇦

Se aceitarmos que a emanação não é uma propriedade fixa da imagem, mas um efeito que se cumpre no encontro com o olhar, é possível que até uma criação feita por inteligência artificial alcance esse lugar. Não porque tenha vivido o instante que representa, mas porque, de alguma forma, consegue instaurar no espectador a sensação de presença. Nesse caso, a emanação deixaria de ser um atributo exclusivo do gesto humano e passaria a ser um fenômeno relacional, imprevisível, que pode emergir até mesmo de uma origem sem corpo. Essa hipótese não resolve o conflito entre cópia e emanação, ao contrário, amplia-o, pois nos obriga a admitir que o que sentimos diante de uma imagem pode independer de sua procedência.



É nas possibilidades de fragmentação, quando o todo se insinua sem se entregar, que a emanação se revela com mais intensidade. Um vestígio, uma promessa suspensa entre o que se mostra e o que permanece oculto. No fim, a questão não é se a imagem é cópia ou emanação, mas o que acontece conosco depois que ela nos atravessa. Pode desaparecer no fluxo de milhares de outras ou permanecer como presença discreta, à espreita, pronta para reaparecer quando menos esperamos. Entre a repetição e a presença, entre a origem e o efeito, o que buscamos é sempre o mesmo: uma imagem que nos devolva algo que não sabíamos ter perdido.


Fotografia em preto e branco que foca nas costas nuas de uma pessoa, centralizadas na composição. A pele clara contrasta com o tecido escuro que envolve parcialmente a parte inferior, formando uma linha em “V” que acentua a silhueta e a estrutura óssea da coluna. A iluminação suave destaca as texturas e sutis variações de tom, criando um efeito minimalista e ao mesmo tempo sensual. A imagem transmite simplicidade, intimidade e força visual, sendo ideal para contextos de fotografia autoral, estudos de forma e luz, e representação artística do corpo humano.
Foto por Nelson Alvarez 🇨🇺

Escrito por Angela Rosana saiba mais sobre mim aqui.  

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Todas as imagens foram cedidas.

Os créditos aos fotógrafos constam nas imagens, com links para os respectivos perfis no Instagram. Conheça mais o trabalho de cada um!


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há 5 dias
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great Angela, a serious "blog"

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