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A Faísca das Falhas: Onde o Algoritmo se Perde

Atualizado: 21 de jul.


Fotografia em preto e branco de uma mulher de costas, parcialmente envolta por fios brancos que serpenteiam pelo seu corpo e se estendem pelo espaço. À frente dela, em sobreposição ou reflexo, vê-se o rosto da mesma mulher encarando a câmera com expressão séria, uma mão parcialmente cobrindo seus lábios. A cena sugere um jogo entre presença e projeção, com elementos visuais que evocam tensão, introspecção e dualidade entre gesto e silêncio. A composição é etérea, marcada por linhas sinuosas e uma atmosfera densa.
Foto por Paola Francesca Barone 🇮🇹

Se há um horror diante do próprio sentido de ser, ele não está em sermos sujeitos, mas no apagamento do que sustenta o ser em nós. Essa "verdade presumida" pode estar para além do excesso de realidade, no que foi soterrado para que ela parecesse inteira. É no silenciamento da dúvida, no asfixiamento do erro, na extinção do desvio que se instala a verdadeira catástrofe. Não é o humano que falha: é o mundo que se recusa a escutá-lo em sua hesitação. A aceleração não nos arrasta porque somos lentos, mas porque rompemos o compasso com o tempo. Substituímos a criação pela eficiência, o espanto pela performance.


Fotografia em preto e branco de um menino em primeiro plano, visto de perfil, olhando em direção a uma paisagem rural. Ao fundo, destaca-se uma formação rochosa isolada no meio do campo, sob um céu carregado de nuvens volumosas. A expressão do menino é contemplativa, sugerindo introspecção ou encantamento diante da vastidão à sua frente. A composição evoca um momento silencioso de observação e pertencimento, com um forte contraste entre a presença humana e a imponência natural. No canto inferior direito, lê-se a assinatura "@nolhar".
Foto por Izaaque Medeiros Daniel 🇧🇷

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em um dos seus diagnósticos mais agudos, escreveu que anestesiamos a negatividade essencial da experiência em nome de uma positividade operante, produtiva, incansável. E assim, o que deveria ser linguagem virou código. O que era imagem virou dado. O que era arte tornou-se ruído branco, anestesia da potência. O movimento, a falha, a oscilação: tudo o que fazia da existência algo mais que cálculo foi apagado. E o que restou não é potência, é desempenho. O pavor, se há, está no que já não nos é permitido ser.


Homem de meia-idade flutua de costas em águas rasas e límpidas, usando um calção azul claro. Sua barriga está levemente submersa, enquanto braços e pernas se espalham em gestos soltos e assimétricos. A luz do sol reflete suavemente na superfície da água, criando um efeito quase onírico, de suspensão e abandono. O rosto parcialmente encoberto pela água sugere um momento íntimo de rendição ou desconexão do mundo exterior, compondo uma cena de aparente leveza que também pode evocar solidão, exaustão ou recomeço.
Foto por Andres Gonzalez 🇵🇹

Não há máquina mais eficiente do que aquela que aprende a simular afeto. Quando a subjetividade é codificada em algoritmo, a singularidade deixa de ser acontecimento para tornar-se variável de previsão. Tudo o que em nós era rasura, rastro, intervalo; tudo isso precisa ser limado, adaptado e otimizável. Não mais a pergunta, mas a resposta; não mais o silêncio, mas o som limpo daquilo que já vem moldado à escuta. A linguagem, antes espaço de deriva, torna-se diretiva. O olhar, que antes vagava, passa a mirar com precisão laser. O tempo? Apenas delay entre entrada e saída de dados. Nesse cenário, só se pode ver o erro como um ruído a ser corrigido. Jamais como uma fresta por onde a criação escapa. E é assim que se mata um milagre: tornando-o apenas estatística.


Mulher em piscina, com os ombros e parte do colo à mostra, emerge da água enquanto um jato d’água ainda encobre parcialmente seu rosto. A água capturada em pleno movimento cria um véu translúcido e dinâmico, distorcendo seus traços e sugerindo uma transição entre ocultamento e revelação. O fundo da piscina exibe linhas onduladas e reflexos azulados, intensificando a sensação de fluidez e leveza. A imagem transmite vitalidade, prazer sensorial e um instante de suspensão entre o mergulho e o respiro.
Foto por Joao Batista @fotografiacega_ 🇧🇷

Quando tudo já foi codificado, previsto, acelerado, o que nos resta de verdadeiramente humano pode ser somente aquilo que escapa, não por erro, mas por decisão. Persistir na falha, quando tudo exige precisão, pode ser o nosso último sopro de insubmissão. Não como inadequação, mas como recusa: da transparência, da utilidade, da lógica que transforma toda linguagem em resposta. A falha, nesse cenário, não é ausência de potência, mas sua deformação deliberada. É o corpo que desacelera quando tudo corre. O olhar que se perde onde tudo precisa focar. Aquilo que titubeia, que ainda demora. Cair fora do eixo, onde só se tolera o que se encaixa, pode ser o único modo de conservar aquilo que não pactua com forma alguma.


Sombra de uma figura humana projetada no chão de concreto rachado, em preto e branco. A pessoa parece estar abrindo ou passando por um portão com barras verticais, cuja sombra também é intensamente marcada no solo, criando um jogo gráfico de linhas paralelas. O corpo projetado da pessoa, com um braço dobrado e uma perna em movimento, sugere ação e transição. A imagem brinca com a ambiguidade entre o visível e o projetado, destacando a interação entre luz, sombra e narrativa sugerida.
Foto por Silvia Salgado 🇧🇷

Se há algo que ainda resiste à lógica da aceleração, é a criação, não por se opor a ela, mas por operar num outro regime. Não se trata de voltar a um tempo lento, mas de sustentar um ritmo próprio, em dissonância com o que se espera. A arte, quando se recusa a tornar-se função, não é decorativa nem ilustrativa: é interrupção. Sua força está em interromper o curso regular da compreensão e criar zonas onde a previsibilidade falha, onde a linguagem se dobra sobre si e a imagem não se deixa traduzir em dado.


Pessoa agachada sobre um terreno natural, com vegetação rasteira, usando uma blusa estampada e máscara de cavalo sobre a cabeça. A cena, em preto e branco, apresenta um contraste dramático entre o corpo nu da cintura para baixo e o elemento surreal da máscara, evocando um imaginário onírico e provocador. Ao fundo, montanhas em desfoque completam a paisagem rural. A postura corporal, aliada à escolha do figurino e à ambientação, sugere uma fusão entre o humano e o animal, entre o instinto e a representação, tensionando os limites entre identidade, corpo e metáfora.
Foto por Marcelo Magalhães 🇧🇷

Não é o conteúdo da arte que importa, mas sua capacidade de suspender o automatismo da percepção, de desobedecer ao fluxo constante de produção e consumo de sentido. A imagem que resiste à decodificação imediata, o poema que não se resolve, o silêncio entre duas notas: tudo isso são formas de fricção contra um construto de desempenho. Nesse atrito algo ainda pode arder como outra maneira de estar no mundo e não somente como espetáculo. Porque a arte é o instante em que algo cessa de obedecer, e esse rompimento pode tornar possível o que ainda não tem forma.


Imagem em preto e branco de uma figura humana em movimento, capturada com longa exposição, o que resulta em um rastro fantasmagórico e múltiplas sobreposições do corpo e dos braços estendidos para o alto. A cena transmite um sentido de urgência, transcendência ou busca, como se a figura estivesse tentando alcançar algo invisível. A luz suave no canto superior ilumina parcialmente o rosto desfocado, reforçando a atmosfera etérea e enigmática da composição. A imagem sugere um estado liminar entre presença e ausência, evocando sensações de desmaterialização, instabilidade e transcendência do gesto.
Foto por Sabrina Mandirola 🇺🇾

É por isso que insistir na subjetividade não é um capricho nostálgico, mas uma forma de insubmissão radical. Porque há algo no humano que não pode ser mapeado, nem previsto, nem traduzido. E é isso que o torna insuportável para os sistemas que tudo querem modelar. O que se evade, aqui, não é erro: é o resíduo indomável da criação. E é nele que a arte ancora sua força, não como um conforto mas como uma perturbação.


Fotografia em preto e branco de uma máquina de escrever antiga vista em close-up, destacando suas teclas circulares com letras e números. As teclas metálicas, algumas desgastadas pelo tempo, emergem em ângulo, criando uma textura quase escultórica de hastes verticais. A imagem enfatiza o aspecto tátil e mecânico da escrita analógica, contrastando com a suavidade digital contemporânea. No canto inferior direito, está inscrito o nome do fotógrafo, “thiagohenriques @tibasclickphotos”, acrescentando autoria à cena nostálgica e poética.
Foto por Thiago Henriques 🇧🇷

Onde tudo precisa funcionar, uma "ficção do subjetivo" descompassa. Lembra ao mundo que ainda há mundo por dizer. E entre dados e algoritmos, pulsa uma faísca impossível de apagar: frágil, imprópria, inclassificável, mas teimosamente viva, impedindo que nos tornemos código.


Escrito por Angela Rosana saiba mais sobre mim aqui.  

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Todas as imagens foram cedidas.

Os créditos aos fotógrafos constam nas imagens, com links para os respectivos perfis no Instagram. Conheça mais o trabalho de cada um!


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Publicação das fotos no Instagram a partir de julho de 2025.


 
 
 

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