Quando o Olho Vacila: O Flerte de Roberta Guido com a Dissonância Cognitiva
- Angela Rosana
- 3 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de jan.

A dissonância cognitiva, um conceito psicológico introduzido por Leon Festinger, descreve o desconforto mental causado pela coexistência de crenças, valores ou atitudes contraditórias. Embora esse conceito possa parecer distante do mundo da arte, ele pode ser - quem sabe? - um elemento essencial para a apreciação de muitas obras contemporâneas. No trabalho da fotógrafa Roberta Guido, cuja arte se destaca pela criação de cenários mágicos e fantasias místicas, essa dissonância se manifesta de maneira particularmente intensa. Suas imagens surreais e imaginativas desafiam a realidade cotidiana, criando um conflito interno no espectador que, ao mesmo tempo, é atraído e desconcertado por suas composições.

Como Festinger sugere, esse desconforto pode nos levar a reavaliar nossos pontos de vista, permitindo-nos mergulhar profundamente em sua arte e explorar novas possibilidades de percepção e significado. Sem esse conflito perceptivo, talvez a magia e o fascínio das criações de Roberta, assim como a de muitos outros artistas que operam no limiar do real e do imaginário, não pudessem ser plenamente apreciados.

O trabalho dessa fotógrafa, além de envolver o espectador em um sutil jogo de realidades e fantasias, proporciona uma experiência que ultrapassa o mero ato de posar para uma fotografia. Seus ensaios transcendem somente uma encenação; eles são portais para um processo de profunda autodescoberta. George Kelly, em sua Teoria dos Construtos Pessoais, nos oferece uma chave para entender essa transformação, ao sugerir que as pessoas organizam suas experiências de vida por meio de "construtos" — categorias mentais que criamos para interpretar e dar sentido ao mundo.

Quando um indivíduo se submete à visão artística de Roberta, ele é convidado a deixar de lado, ainda que por um momento, o cotidiano que o define, para mergulhar em uma realidade onde o mágico e o surreal se tornam palpáveis. Essa imersão vai além de uma fuga passageira e se torna uma oportunidade para a criação de novos construtos, permitindo que o indivíduo experimente uma versão alternativa de si mesmo, expandindo as fronteiras do seu próprio ser. Kelly propõe que, em vez de vivenciar a dissonância cognitiva ao se comparar com essas novas experiências, as pessoas utilizam essas construções para reinterpretar e reconstruir suas percepções de si mesmas e do mundo.

Sob a orientação da fotógrafa, os protagonistas submergem em uma narrativa fantástica e se deixam levar a uma reavaliação de suas próprias histórias pessoais, a um questionamento de limites que até então julgavam intransponíveis. O que ela oferece é mais do que o registro de uma imagem em um momento; é uma vivência que se torna uma ferramenta poderosa de transformação pessoal, uma chance de explorar e expandir os horizontes da própria percepção.

Assim, a arte de Guido não se contenta em desafiar o olhar do espectador; ela redesenha, o sujeito através de uma experiência, e ultrapassa os limites da contemplação. Ao explorar e vivenciar essas fantasias, o indivíduo não é mero participante de uma narrativa; pode ser cúmplice de um instante que transcende a imagem e se infiltra em sua memória, moldando percepções e reescrevendo fragmentos de quem acreditavam ser. Um clique pode espelhar uma nova possibilidade de existir, que reverbera muito além da câmera.

A obra dessa artista nos convida a atravessar o véu que separa o comum do extraordinário, uma passagem para o desconhecido que, no entanto, ressoa com algo profundamente enraizado em nós. Suas imagens nos colocam diante de um espelho que reflete o que somos e o que pensamos ser — seres moldados por sonhos e realidades em constante tensão.

Ao nos envolvermos nesse universo de fantasia, somos chamados a confrontar as fissuras entre o que acreditamos ser verdadeiro e o que a imagem nos sugere como possível. E é nessa nessa lacuna que está o poder de transformação. Quando nos permitimos adentrar seus cenários místicos, algo em nós se reconfigura. De repente, não somos apenas quem éramos antes, somos também aquilo que contemplamos, aquilo que ousamos imaginar. O desconforto que surge ao nos depararmos com o desconhecido — com anjos em florestas, com figuras etéreas que parecem existir em um limiar entre mundos — nos impulsiona a reconsiderar nossa própria existência. Cada imagem, com sua riqueza de detalhes e sua narrativa implícita, nos provoca a compensar os limites.

Esse processo de confronto e reavaliação vai adiante do intelectual; ele é visceral. Ao nos vermos refletidos em personagens de contos nunca escritos, nos perguntamos: Quem sou eu, diante desse espetáculo de possibilidades? Sou apenas um observador, ou estou, de alguma forma, sendo moldado por essa fantasia que se desenrola diante dos meus olhos? A arte de Roberta não nos deixa ficar inertes; ela exige que participemos, que nos deixemos levar por essa corrente de significados e símbolos que subvertem nossa certeza.
Escrito por Angela Rosana, saiba mais sobre mim aqui.
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Todas as imagens foram cedidas por Roberta Guido
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Publicação das fotos no Instagram em setembro de 2024
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