Por Obra do Acaso
- Angela Rosana

- 28 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de set.
As imagens raramente se fixam ao motivo que as gerou. Nascem em um contexto, obedecem a uma lógica, mas ao se deslocarem carregam consigo a possibilidade de outras leituras. O acaso não é apenas o imprevisto de uma forma capturada, mas também esse trânsito que desfaz a ordem inicial e rearranja os sentidos.
Todo deslocamento produz um desvio. Aquilo que parecia evidente adquire contornos imprevistos, revelando a fragilidade de qualquer intenção primeira. Não há obra artística que não possa ser atravessada por outros discursos, contaminada por outros olhares, inscrita em campos que não lhe pertenciam. É nesse espaço de indeterminação que se deixa entrever a potência do incontrolável.
Não existe significado fixo.
Cada obra artística, seja pintura, escultura, fotografia ou instalação, é atravessada pelo contexto em que se situa, e é esse entorno que lhe confere peso e direção. O que parece estável revela-se passageiro, porque basta uma mudança de cenário, uma nova rede de relações, um deslocamento de discurso, e já não é a mesma.
Esse trânsito não depende da vontade de quem a produziu, mas da contingência dos lugares em que será lida. O indeterminado não se reduz ao instante da criação, prolonga-se na circulação. Cada inserção em um novo campo abre a possibilidade de leituras imprevistas, sentidos que não estavam no cálculo inicial e que permanecem em aberto.
Se a leitura de uma obra artística se transforma a cada deslocamento, não é apenas porque muda o seu entorno, mas porque nenhum signo é estável em si. O mesmo poderia ser dito de palavras, gestos, objetos: todos carregam a marca de um contexto primeiro, mas todos se abrem à possibilidade de serem lidos de outro modo. A instabilidade não é exceção, é regra estrutural que corrói a ilusão de um sentido único. Foi o que Duchamp demonstrou ao transformar a rachadura do Grande Vidro em parte inseparável da obra: o acidente deixou de ser falha para se tornar estrutura, revelando que nada está imune à recombinação.
O aleatório não é ruído a ser eliminado nem desvio a ser corrigido. É a condição de tudo o que circula, de tudo o que se reinscreve. A obra artística apenas torna visível esse princípio: nada permanece intocado, tudo está sujeito à recombinação. A criação aproxima-se da vida na medida em que ambas nascem de intenções, mas nunca permanecem presas a elas. O inesperado intervém como uma força latente, capaz de deslocar sentidos e corroer qualquer aparência de solidez. O que se julgava estável cedo ou tarde se desfaz em novas combinações, revelando a precariedade de toda ordem.
Não há superfície definitiva. Existem instantes de leitura, fragmentos que se entrelaçam, sentidos provisórios que cintilam antes de se dissolver. É nessa instabilidade que percebemos o poder do imprevisível, como se o mundo se refizesse incessantemente a partir do que não se pode calcular.
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