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Por Obra do Acaso

Atualizado: 29 de set.


Corredor em preto e branco com uma sucessão de portas alinhadas que criam uma perspectiva profunda, conduzindo o olhar até uma parede distante com quadros pendurados, sugerindo repetição, desdobramento e multiplicidade de sentidos
Foto por Armando Paolillo Jr 🇧🇷

As imagens raramente se fixam ao motivo que as gerou. Nascem em um contexto, obedecem a uma lógica, mas ao se deslocarem carregam consigo a possibilidade de outras leituras. O acaso não é apenas o imprevisto de uma forma capturada, mas também esse trânsito que desfaz a ordem inicial e rearranja os sentidos.


Fotografia em preto e branco de longa exposição mostra um corpo nu deitado em movimento, criando uma figura difusa e espectral. As linhas borradas sugerem fluxo e instabilidade, como se a imagem oscilasse entre presença e ausência. O fundo escuro acentua o contraste e reforça a atmosfera onírica e fantasmagórica.
Foto por Cristina Malcisi 🇮🇹

Todo deslocamento produz um desvio. Aquilo que parecia evidente adquire contornos imprevistos, revelando a fragilidade de qualquer intenção primeira. Não há obra artística que não possa ser atravessada por outros discursos, contaminada por outros olhares, inscrita em campos que não lhe pertenciam. É nesse espaço de indeterminação que se deixa entrever a potência do incontrolável.

Não existe significado fixo.


Obra composta por duas emulsões fotográficas lado a lado: à esquerda, um campo desfocado de flores coloridas em tons de rosa, amarelo e verde; à direita, uma imagem em preto e branco de uma mão clara estendida sobre fundo escuro e texturizado. A justaposição cria um contraste entre natureza efêmera e gesto humano, sugerindo diálogo entre vida orgânica e presença simbólica.
Foto por Laura Barth 🇺🇸

Cada obra artística, seja pintura, escultura, fotografia ou instalação, é atravessada pelo contexto em que se situa, e é esse entorno que lhe confere peso e direção. O que parece estável revela-se passageiro, porque basta uma mudança de cenário, uma nova rede de relações, um deslocamento de discurso, e já não é a mesma.


Fotografia em preto e branco mostra uma escultura de várias mãos e braços parcialmente oculta atrás de um plástico transparente, criando sombras e distorções que misturam a figura com o ambiente. A cena é carregada de mistério e ambiguidade, sugerindo uma presença quase espectral. Ao lado, um muro com cartazes e papéis colados reforça a sensação de espaço urbano precário e transitório.
Foto por Street Life by Artsy Zone 🇮🇳

Esse trânsito não depende da vontade de quem a produziu, mas da contingência dos lugares em que será lida. O indeterminado não se reduz ao instante da criação, prolonga-se na circulação. Cada inserção em um novo campo abre a possibilidade de leituras imprevistas, sentidos que não estavam no cálculo inicial e que permanecem em aberto.


Quatro homens trabalham suspensos em uma tábua estreita, raspando com ferramentas a lateral enferrujada e descascada de um navio. O casco revela camadas de tinta azul, vermelha e amarela, criando um efeito abstrato de manchas e texturas. A cena mistura esforço físico e composição visual quase pictórica, onde o gesto humano revela as camadas ocultas do tempo
Foto por Arturo Lopez 🇪🇸

Se a leitura de uma obra artística se transforma a cada deslocamento, não é apenas porque muda o seu entorno, mas porque nenhum signo é estável em si. O mesmo poderia ser dito de palavras, gestos, objetos: todos carregam a marca de um contexto primeiro, mas todos se abrem à possibilidade de serem lidos de outro modo. A instabilidade não é exceção, é regra estrutural que corrói a ilusão de um sentido único. Foi o que Duchamp demonstrou ao transformar a rachadura do Grande Vidro em parte inseparável da obra: o acidente deixou de ser falha para se tornar estrutura, revelando que nada está imune à recombinação.


Fotografia em preto e branco mostra o reflexo de uma pessoa atrás de um vidro rachado e empoeirado. A mão está erguida e encostada no vidro, destacando-se em meio às fissuras que atravessam a superfície. O fundo revela a estrutura de madeira de um telhado e um espaço externo iluminado, criando camadas de sobreposição entre o real, o reflexo e a ruptura do vidro.
Foto por F.a.b 🇺🇸

O aleatório não é ruído a ser eliminado nem desvio a ser corrigido. É a condição de tudo o que circula, de tudo o que se reinscreve. A obra artística apenas torna visível esse princípio: nada permanece intocado, tudo está sujeito à recombinação. A criação aproxima-se da vida na medida em que ambas nascem de intenções, mas nunca permanecem presas a elas. O inesperado intervém como uma força latente, capaz de deslocar sentidos e corroer qualquer aparência de solidez. O que se julgava estável cedo ou tarde se desfaz em novas combinações, revelando a precariedade de toda ordem.


Mulher grávida sentada em um colchão no chão, usando vestido laranja, com uma criança pequena encostada em sua barriga e outra no canto segurando um cobertor, enquanto um cachorro do lado de fora observa pela porta de vidro. A cena, iluminada por luz natural, transmite intimidade doméstica e quietude.
Foto por Barbara Peacock 🇺🇸

Não há superfície definitiva. Existem instantes de leitura, fragmentos que se entrelaçam, sentidos provisórios que cintilam antes de se dissolver. É nessa instabilidade que percebemos o poder do imprevisível, como se o mundo se refizesse incessantemente a partir do que não se pode calcular.



Escrito por Angela Rosana saiba mais sobre mim aqui.  

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